O processo político que levou ao golpe de 64

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

 
O processo político que levou ao golpe de 64

O episódio é um desdobramento de um movimento que vinha desde a queda de Getúlio Vargas em 1945, que levou depois ao inconformismo com o seu retorno em 1950 se desdobrando nos acontecimentos que conduziram ao seu suicídio em 1954. Na presidência de Juscelino Kubitschek (1956-1961) houve frequentes tentativas de sublevação e havia um forte movimento de oficiais do Exército na Escola Superior de Guerra, pró-americanos, anticomunistas. Havia duas correntes ideológicas no Brasil, sendo uma de esquerda e outra de direita. Aquelas correntes tinham movimentos populares de ambas facções, acredita-se financiados com capital externo. Além da polarização, existia também um forte sentimento antigetulista, motivador do movimento militar que viria a seguir.

Guerra Fria

Não se pode compreender a gênese do movimento político-militar de 1964 sem inseri-lo no contexto da Guerra Fria. Neste período, a Guerra Fria tinha se tornado aguda, sobretudo nas Américas. A tensão estava concentrada na América Latina, em um momento em que a região vira um pomo de discórdia com o triunfo da Revolução Cubana. A partir de 1959 outros movimentos procuram se inspirar na Revolução Cubana – Che Guevara falava de uma, duas mil Sierra Maestra na América Latina. Começa a guerrilha na Venezuela apoiada pelos cubanos, na Colômbia e em vários outros lugares. Esse movimento chama a atenção dos Estados Unidos pela primeira vez, porque a partir da 2° Guerra, os EUA tinham desviado o foco, primeiro para a Europa e depois para a Ásia. Neste momento, os EUA descobrem a importância da América Latina. Quando John Kennedy é eleito, é criado o programa Aliança para o Progresso, que era um plano para promover o desenvolvimento da América Latina, mas não como os países latino-americanos queriam. Eram esperados empréstimos, capitais para a industrialização entre outras coisas, mas a Aliança para o Progresso tinha mais uma abordagem social, educacional, o que trouxe decepção em determinados círculos.

Renúncia de Jânio Quadros

No dia de 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros renunciou à Presidência da República. A Constituição não deixava dúvidas quanto à sua sucessão: assumiria a presidência o então vice-presidente João Goulart, e houve suposições de um autogolpe fracassado. A legislação eleitoral da época permitia que se votasse no presidente de uma chapa e no vice-presidente de outra. Goulart era visto como sucessor político de Getúlio Vargas e era, também, cunhado do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que defendia a realização de reformas de base no Brasil, incluindo a reforma agrária e a reforma urbana. As reformas de base desagradavam os setores conservadores, a classe média, e grandes empresários. E através de seu poderio político financeiro e de lobby no Congresso Nacional acabaram por se movimentar no sentido de impedir a posse de Jango, que neste momento estava ausente do país, em visita à China comunista. Por influência de grupos mais moderados, houve um acordo político estabelecendo o regime parlamentarista, o que significaria que Goulart seria chefe de estado, mas não chefe de governo.

Goulart assume em 7 de setembro de 1961 com poderes reduzidos. Em 1962, é convocado um plebiscito para escolher qual a forma de governo o Brasil adotaria: ou retornava ao presidencialismo ou permanecia no parlamentarismo. O povo optou maciçamente pelo presidencialismo. Jango assumiu a chefia de um país polarizado, constantemente fustigado pela esquerda, que queria reformas imediatas, e pela direita, que temia qualquer avanço social. Goulart pôs em prática o Plano Trienal, baseado em reformas de base. O Congresso recusou-se a cooperar com o projeto.

A Revolta dos Marinheiros

Foi um motim dos marinheiros da Marinha do Brasil ocorrido em 25 de março de 1964. Foi realizada uma assembleia com mais de dois mil marinheiros de baixa patente, realizada no prédio do Sindicato dos Metalúrgicos, no Rio de Janeiro, exigindo melhores condições para os militares e também pediam apoio às reformas políticas de base propostas pelo presidente João Goulart. A assembleia foi chefiada por José Anselmo dos Santos, mais conhecido como Cabo Anselmo. O então ministro da Marinha, Sílvio Mota, ordenou a prisão dos líderes do movimento, enviando um destacamento dos fuzileiros navais, comandados pelo contra-almirante Cândido Aragão. Os fuzileiros, porém, juntaram-se ao movimento. Jango expediu ordens proibindo qualquer invasão da assembleia dos marinheiros e exonerou o ministro Mota. No dia seguinte, 26 de março, o ministro do trabalho Amauri Silva negociou um acordo, e os marinheiros concordaram em deixar o prédio pacificamente. Logo em seguida, os líderes do movimento foram presos por militares, sob a acusação de motim. Horas depois, porém, o presidente anistiou os amotinados, criando um forte constrangimento entre os militares diante da imprensa e da sociedade. Goulart compareceu a uma reunião de sargentos, no Automóvel Clube, discursando em prol das reformas pretendidas pelo governo e invocando o apoio das Forças Armadas.

Leonel Brizola

Estatizações feitas por Leonel Brizola, cunhado de João Goulart, em companhias telefônica e de energia do Rio Grande do Sul, ambas pertencentes a grupos dos EUA, criaram um clima tenso entre Brasil e Estados Unidos. Brizola denunciou um acordo de indenização fraudulenta feito com as companhias dos EUA, antigas proprietárias das estatais recém criadas do Rio Grande do Sul. O ministério caiu e o acordo foi suspenso, desagradando aos Estados Unidos.
 
Paralelamente, havia o movimento dos sargentos ideologicamente ligados ao governador Brizola. Estes pleiteavam o direito de serem eleitos, já que suas posses haviam sido impedidas pelo Supremo Tribunal Federal. Enquanto o movimento estudantil, de orientação esquerdista, realizava protestos nas ruas, Brizola criou o movimento chamado de Grupos dos Onze, que consistia na organização popular em grupos de onze pessoas, para fiscalizar parlamentares e militares (já prevendo tentativas de golpes) e pressionar o governo e o congresso pelas reformas de base. Os políticos do PSD, mais conservadores, temendo uma radicalização à esquerda deixam de apoiar o governo. A UDN e o PSD temiam pelo crescimento do PTB, já que Brizola, aparentemente era o favorito para as eleições presidenciais que aconteceriam em 1965. Criou-se o medo de que Goulart levasse o país a um golpe de estado, com a implantação de um regime político nos moldes de Cuba e China. Era o “perigo comunista”, que serviria depois como justificativa para o golpe.

Comício da Central do Brasil

Em 13 de março de 1964, Jango organiza o Comício da Central, chave para dar início ao golpe. Goulart anunciavam as reformas de base, incluindo um plebiscito pela convocação de nova constituinte, a reforma agrária e a nacionalização das refinarias particulares de petróleo. Jango também criticava o sentimento anticomunista e a utilização dos meios religiosos como instrumentos de oposição ao governo. Os políticos da UDN e do PSD acreditavam que Brizola pudesse vencer as eleições presidenciais e que o povo apoiaria o seu projeto. Assim, a aliança UDN-Militares-Estados Unidos iniciou sua mobilização definitiva em direção ao golpe.
 
Em resposta ao comício, com a articulação do IPES e outros órgãos, foram organizadas as Marcha da Família com Deus pela Liberdade, reunindo centenas de milhares de pessoas e amplamente cobertas pela mídia, provocando um alastramento de sentimentos anticomunistas pela sociedade.
 
Jango no Automóvel Clube - Rio de Janeiro
 

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